Saturday, May 8, 2010

A raposa palestra ao galinheiro

Ontém (07/05) foi chamada a atenção da blogosfera em artigo de Reinaldo Azevedo para a criação de um possível órgão de "autorregulamentação" da mídia, com o endosso de alguns dos representantes dos principais meios de comunicação do país. A origem da idéia é, digamos, surpreendente.


A discussão e os "parceiros"
Foi realizada no dia 04/05, em Brasília, a "5ª Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa", no Auditório da TV Câmara. A iniciativa partiu da Câmara dos Deputados, e contou com parceria da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), da Asssociação Nacional de Editores de Revistas (Aner) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), com participação destacada de Eugênio Bucci.

Primeiramente, causa certo estranhamento a participação da ESPM numa discussão sobre "Liberdade de Imprensa", e não de uma ou mais universidades com tradição de jornalismo ou direito. Sua presença reforça a impressão de que o governo e o PT confundem imprensa com propaganda, de forma consonante com a definição de "informação" de regimes ditatoriais, que travestem propaganda do regime de informação e desqualificam informação como propaganda subversiva.

Em segundo lugar, o evento é organizado pela própria Câmara dos deputados, que derrubou a Lei de Imprensa, mas não moveu uma palha nem propôs nada a respeito dos casos de censura prévia por via judicial, como o de Fernando Sarney ao Estadão.

Quanto aa participação destacada de Eugênio Bucci, cabe ressaltar que o próprio foi presidente da Radiobrás entre 2003 e 2007 (portanto não há questionamento sobre suas "afinidades" político-partidárias).


Progressão desencontrada de informações
As últimas informações divulgadas pela imprensa acerca do assunto datam de 06/05, quando o líder do PT na Câmara (deputado Cândido Vaccarezza) defendeu a criação de um conselho de autorregulamentação. Ocorre que da forma como foi divulgada a notícia, deu-se a impressão de que tal iniciativa partira do próprio Vaccarezza, sem qualquer menção aa "5ª Conferência".

Antes disso, no dia 04/05, manchetes divulgadas tratavam do assunto como se as próprias entidades de imprensa estivessem debatendo a autorregulamentação do setor, embora houvesse menção da Conferência.


A origem da pérola
Eis que em outra manchete divulgada pelo Globo, encontramos aonde surge a "idéia". O mensaleiro José Genoíno foi um dos palestrantes da conferência, vejam só, sobre Liberdade de Imprensa.

Do próprio site do "deputado", consta que Genoíno se uniu aa guerrilha ao longo do Araguaia, onde foi preso e torturado. Depois de libertado, Genoíno "rompeu com o PC do B, e se uniu ao Partido Revolucionário Comunista, que funcionava como uma facção Leninista dentro do Partido dos Trabalhadores. Nesta época, ele se opôs aa reforma democrática dentro do sistema burguês, para construir uma revolução rumo ao socialismo."

Ou seja, o auto-declarado guerrilheiro Leninista, que se opôs ao fim do regime militar sem a implantação do socialismo, palestrou sobre Liberdade de Imprensa para as associações de imprensa do Brasil. E obviamente, como bom leninista, reclamou que a mídia não é imparcial.

E vejam só, em resposta ao guerrilheiro, o vice-presidente da Aner propôs a autorregulamentação.


Conclusão
Não sei exatamente qual das barbaridades destacadas acima é mais chocante. Se é um guerrilheiro leninista ficha-suja (que lutou para a ditadura escorregar diretamente ao socialismo) palestrar para associações de imprensa sobre liberdade de imprensa, ou se é o fato de que tenha sido ouvido.

Não é possível, pelo menos para meu cérebro regido por princípios de lógica e ética, computar a informação de que um político com tal inclinação ideológica e que esteja sendo processado pelo mensalão, vá a uma conferência de liberdade de imprensa reclamar por mais imparcialidade na mídia e seja ouvido.

E que partindo daí, as próprias associações de mídia concluam que é preciso se autorregulamentar, e saiam efetivamente da conferência de Liberdade de Imprensa com o compromisso de ter menos liberdade!?

Independentemente do fato de que o ex-presidente da Radiobrás de Lula tenha sido destaque, ou de que tudo tenha acontecido na Câmara (que não defende o jornalismo da Censura Prévia dos Sarney), o leninista mandando e sendo escutado pela própria mídia já é mais do que suficiente para se questionar a isenção ou a legitimidade do encontro. Infelizmente, se alguém já desconfiava, o fato das associações de mídia aceitarem a acusação de parcialidade propondo a cessão de parte da própria liberdade serve como uma quase garantia de que as raposas tomaram conta do galinheiro. Especialmente quando dois dias após a "conferência", o líder do PT repete a "proposta" dos "conferenciados" como se fosse sua e de seu partido. Algo me diz que o "acordo" havia sido "acordado" antes da pantomima da conferência...

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