Saturday, May 1, 2010

O estabelecimento da persona virtual


É de conhecimento público que os tentáculos de um governo que prima cada vez mais por ações de cunho totalitário se estendem agora sobre as personalidades virtuais, estabelecidas de forma livre e democrática, não imposta, não anunciada e não publicizada.

O desconhecimento profundo e o descompasso entre o meio ambiente no qual floresceram as personalidades jurídicas da nossa sociedade e o atual, de liberdade de expressão na internet, prejudicam a elaboração e o desenvolvimento de teses capazes de suportar a pressão que grupos de poder específicos fazem sobre o paradigma da liberdade de expressão do século XXI.

Escrevo este artigo para que sirva de norte para que se elaborem teses coerentes de defesa da liberdade de pensamento e da liberdade de expressão, e que a necessidade de formular tais garantias sirva para a preparação fundamental de um arcabouço jurídico que preserve o florescimento de uma nova sociedade brasileira, informada e iniludível, ainda que atacada de forma constante por um status quo que age por meio de desinformação generalizada e prima pela distorção de fatos e de idéias e discursos alheios.


O ataque

De forma repetitiva e mal embasada, o argumento principal dos ataques aa liberdade de expressão na internet é centrado, na grande maioria dos casos, nos argumentos falaciosos de calúnia e difamação. O cerne das propostas de verdadeira censura é sempre, grosso modo, o de que escondidos pela anonimidade provida pela rede, indivíduos passariam então a tornar públicas opiniões e inverdades, que serviriam como ataque aa reputações e personalidades.

O ponto crucial na questão é a "publicação" de opiniões, ou o "tornar público". Não há difamação ou calúnia sem que se torne público algum fato ou alegação.


Sobre meios de comunicação tradicionais e "publicação"

Pois bem, quando algum anunciante, partido político ou indivíduo paga a um jornal ou a uma emissora de televisão para que publique uma nota, e nesta nota profere inverdades ou alegações caluniosas sobre terceiros, cabe imediatamente processo jurídico embasado na defesa da reputação ameaçada.

Observando-se a natureza do "tornar público" em questão, qual é, via de regra, o agravante difamatório que descaracteriza a alegação como simples alegação e individual, e a caracteriza como "publicação difamatória"? Que a partir do momento em que esteja impressa ou transmitida a nota, não haja mais escolha, dentro do rol de espectadores ou leitores, sobre a apreciação ou não do conteúdo.

Ou seja, meios de comunicação tradicionais, como mídia impressa, televisão ou rádio, podem ser considerados como meios de apreciação passiva. Não há esforço individual, por parte de quem recebe a informação, para se apreciar a opinião deste ou daquele indivíduo. Basta que uma nota esteja na primeira página de um jornal para que todos os potenciais leitores estejam automaticamente sujeitos ao conteúdo. Basta que um telespectador esteja diante do aparelho para que esteja automaticamente sujeito aa programação da emissora, com tópicos, horários, anunciantes e editores pré-definidos. "Publicar", nesse caso, caracteriza-se de fato pela passividade com que seu público recebe as informações.


Sobre a nova mídia e a "publicação"

No que difere, então, a nova mídia (internet, blogs etc) da antiga, considerando que a partir do momento em que algo esteja disponível em determinado blog, esteja livremente acessível a todos os usuários da internet?

Em primeiro lugar, é possível caracterizar um "telespectador", mas não é possível caracterizar um "usuário de internet". De usos e objetivos tão variados quanto a diversidade de opiniões presente na rede, chega a ser absurdo comparar a rede e seus participantes a leitores de jornal. Alguns participantes a utilizam para ler emails de familiares e amigos e nunca leram sequer uma linha de um blog. Outros a utilizam para jogar jogos online, passando horas conectados em um ambiente de realidade simulada. Outros, por sua vez, assistem filmes e ouvem música em rádios online. E a maioria participa da rede em todas as atividades descritas e outras mais.

Não há passividade no conceito de "participante". A internet nasceu como uma simples rede de computadores de universidades americanas, que diferia de uma rede comum de qualquer grande escritório simplesmente pelo fato de que o conteúdo de cada uma das redes estava "inter-disponível" para as outras. Ou seja, dois pontos centrais caracterizam o participante:

1) Inclusão voluntária de conteúdo individual ou idéias na "inter-rede". Faculta ao participante prover conteúdo (diferentemente da mídia tradicional), assim como faculta acessar conteúdo disponibilizado por terceiros. Em se tratando de uma rede, a noção de "publicação" é incabível se comparada aa noções de fato apropriadas como disponibilização e busca.

2) O participante existe como elemento fundamental de um meio de apreciação ativa. O conteúdo da rede como um todo é nada mais do que a colaboração individual de idéias e informação, interdisponibilizadas e acessíveis somente mediante busca e solicitação. Esta noção é, portanto, incompatível com o "tornar público" de apreciação passiva e instantânea do direito tradicional.


O estabelecimento da persona virtual

Considerando-se o exposto nos tópicos precedentes, conclui-se que a abordagem tradicional do direito na rede, a grosso modo caracterizando o indivíduo como um publicador e um "leitor de jornal", seja inapropriada.

Sendo a base de sustentação da rede um participante ao qual facultam tanto a apreciação quanto a disponiblização de conteúdo, e que a ele faculta também a aquisição de um endereço virtual que sirva de "casa" para suas idéias, "casa" esta que seja possível encontrar buscando-se o participante da mesma forma que se buscam indivíduos e empresas em um catálogo telefônico ou em conversas de amigos, reduz-se o conceito de participante ao de persona virtual.

O conceito de persona virtual é comparável de forma muito mais apropriada a um indivíduo normal vivendo em sociedade. A cada um de nós, segundo a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em seu décimo e décimo primeiro artigo, garante-se a liberdade de comunicação de idéias e opiniões, assim como garante-se que não sejamos molestados por sua expressão.

É agravante, nesse caso, a improbidade de considerar-se um participante um publicador. Ou seja, opiniões expressas em uma rede que pressupõe apreciação somente mediante busca, são meramente as idéias das personas virtuais, da mesma forma como opiniões individuais somente são acessadas quando solicitadas em um diálogo interpessoal, sejam estas solicitadas por duas ou por mil pessoas.


Crime de opinião

A exclusão de um participante da rede, salvo casos em que sejam incitados crimes fora dela (como pedofilia e racismo, por exemplo), consiste na exclusão de uma opinião individual do conjunto de opiniões disponibilizadas mediante busca, e parte formadora do todo de opiniões livres chamado de internet.

Ou seja, o silenciamento e a censura de uma voz, indiferentemete de quem seja a pessoa real por trás da virtual, representa o endosso e a volta do "crime de opinião" no Brasil e em qualquer lugar do mundo.

Já o fim do anonimato se assemelha a uma hipotética necessidade de usarmos crachás de identificação para simples convívio. Assim como perguntamos a hora a estranhos na rua sem lhes perguntar o nome, temos o direito de pedir-lhes opiniões sem que nos interesse saber seu endereço ou o nome de seus pais no mundo da rede. Ademais, o fim do anonimato serviria factualmente apenas como ataque ao princípio dos verdadeiros Direitos Humanos, de que não podemos ser molestados por nossas simples opiniões.

Ambos, concluindo, representam exclusivamente o endosso aa volta do crime de opinião, precedem o recrudescimento das possibilidades de convívio social comum aa ditaduras no mundo, a exemplo de China e Cuba, e atacam diretamente a liberdade de pensamento e expressão do indivíduo (caracterizado como persona virtual), nada tendo a ver com liberdade de imprensa. Assemelham-se factualmente a um governo que prenderia pessoas dentro de sua própria casa por opiniões expressas em uma conversa com amigos, primeiro exigindo a revelação do endereço do "dono" das idéias "subversivas", e depois buscando-o em casa e silenciando-o por pensar de forma diferente do poder opressivo vigente, poder este detentor de meios e estruturas capazes de subtrair direitos e liberdades estabelecidas do cidadão.

A exclusão do primeiro blog da rede por simples opinião, bem como o fim do anonimato, representaria o estabelecimento de jurisprudência em ataque direto aa liberdades fundamentais do indivíduo, um ataque direto a direitos humanos considerados sagrados na sociedade ocidental desde 1789.

Representaria também o primeiro grande movimento opressivo de um governo já marcado por tentações totalitárias, movimento cuja fruição significaria séria ameaça ao florescimento da nova sociedade brasileira, intolerante aa mentiras e corrupção, e capaz de trazer uma nova era no convívio social e político no Brasil, anulando forças propagandísticas e corruptoras de governos e meios de comunicação tradicionais simplesmente com a força de verdades transmistidas e buscadas em nível individual, como de fato funciona a rede.

No comments:

Post a Comment