Tuesday, May 25, 2010

Sobre Autonomia de BACEN's

Mais uma vez, o pré-candidato José Serra se manifesta a respeito de autonomia e independência de Bancos Centrais. A questão, tratada como um dogma macro-econômico ultimamente, precisa ser revista.

Não, não vou pregar o uso político das ferramentas de controle da macro-economia. Mas vou demonstrar o que ocorre quando um Banco Central ganha autonomia suficiente para pautar um governo.

O Banco Central de um país, por definição, deve estar sujeito aa visão de longo prazo e ao projeto de país. Quando não há projeto de governo ou planejamento (caso claro do governo atual, que loteia cargos como quem vende tomates na feira), o BACEN ganha sim status de Santa Sé, porque praticamente inexiste outra autoridade capaz de compreender a situação macro-econômica do país no contexto de planejamento, dentro do Governo.


O dogma da independência
É preciso, primeiramente, diferenciar autonomia de independência.

Autonomia quer dizer que, como "empresa" do governo, o BACEN tem capacidade de controlar as ferramentes macro-econômicas (de emissão de moeda e taxa de juros básica) de acordo com critérios técnicos. Ou seja, não existe interferência no sentido de fabricação de dados (como os frequentes re-cálculos das taxas de investimento primário...) ou quaisquer outras tentativas de mascarar uma decisão política como técnica. Mantendo-se os objetivos primários de defesa da moeda e controle da atividade econômica, caminha-se em direção a um objetivo pré-determinado pelo governo, e conduzido de forma autônoma pelo BACEN.

Independência quer dizer que um BACEN decide o que quiser como quiser, e reporta seus objetivos e critérios ao governo. É o caminho inverso. O FED americano (Federal Reserve Bank) é um exemplo perfeito. É o ápice do pensamento liberal em macro-economia, na medida em que é uma empresa privada (sim, o Banco Central americano é tão independente que é uma empresa privada) e reporta ao Secretário do Tesouro americano seus objetivos de condução macro-econômica. O ECB (European Central Bank) também vem com o paradigma da independência, e controla a política macro-econômica dos países da zona do Euro, top down.


Estudos datados
Após anos de incentivo e da tendência teórica de ampliação da independência dos BACEN's nos últimos 30 anos, não é mais possível atualmente estudar o assunto "independência" com confiabilidade estatística e relação & correlação, necessários para a adoção e validação de teses macro-econômicas, pela simples razão de que o "laboratório" de países desenvolvidos da Europa, com níveis de autonomia e política distintos, não existe mais.

Como toda a zona do euro passou a aderir aa condução centralizada do ECB, perdeu-se a diversidade analítica que vinha da observação dos resultados de políticas distintas em países desenvolvidos. A China não é uma economia de mercado, os EUA são apenas a análise de caso da independência plena, França, Alemanha, Itália, e os países Nórdicos não tem mais controle sobre sua política macro-econômica, e portanto não mais alimentam estudos sobre independência de BACEN's.

Desta forma, proponho que a análise mais apropriada trate de dados pré-euro, dos anos 90.


Relação entre crescimento e independência
Um estudo de Alberto Alesina e Lawrence Summers, professores de economia política e de economia de Harvard, datado de 1993, trata de análise comparativa sobre Performance Macro-Econômica e Independência de Bancos Centrais.

A conclusão, analisando números de países desenvolvidos, é simplesmente de que a disciplina monetária associada aa independência reduz o nível e a variabilidade de índices de inflação, mas não apresenta grandes benefícios ou custos em termos de performance macro-econômica. Tal estudo serve como evidência fragmentar da neutralidade do dinheiro (segundo Ricardo, "O dinheiro é apenas o meio através do qual são efetuadas as trocas, no final, trabalho é pago com trabalho").


O colapso da tese de independência total
A crise financeira que prossegue (não, não era uma "marolinha"...) pode e deve ser atribuída ao excesso de independência dos Bancos Centrais.

O FED, empresa privada e banco central, pode e deve ser considerado seu "lugar" de origem. Para quem não está a par, basicamente tratamos de uma crise de derivativos. O mercado paralelo dos chamados derivativos de balcão, "apostas" negociadas dois a dois sem que o mercado tome conhecimento, é o responsável pela instabilidade do sistema financeiro global.

Antes do início do processo recessivo global, o volume de derivativos de balcão negociados no mundo atingiu mais de US$ 700 trilhões, mais de 10 vezes o produto do mundo. A partir desse ponto, a quebra de qualquer ente mercadológico que negocie derivativos desta natureza representa a quebra do mercado inteiro, pois pode-se considerar, com base em dados registrados no BIS (Bank for International Settlements), que o mundo foi alavancado em dez vezes.

O último desdobramento nefasto foi a explosão do mercado de CDS (Credit Default Swaps), um tipo particular de derivativo de balcão que atingiu um mercado de montante superior a US$ 60 trilhões, ou uma vez o produto do mundo. Um CDS usado de forma perversa abre a possibilidade de um banco "atacar" títulos do tesouro de um país, e o resultado de tal ataque é a insolvência de nações (escreverei outro paper curto explicando isso).

Agora vem a pergunta. Porque não houve supervisão governamental sobre a tomada de riscos, ou a armadilha financeira que foi criada sob o nariz do FED e de outros Bancos Centrais no mundo?

A resposta é o excesso de independência do FED, que entre 98 e 2006 demonstrou divergir completamente dos interesses da nação americana. O FED defendeu de forma explícita os interesses do mercado financeiro e dos lobistas americanos, e não da população, simplesmente porque nunca esteve subordinado de forma significativa a um projeto de governo ou nação.

Alan Greenspan, ex-presidente do FED americano nos anos referidos, passou seu termo na presidência advogando o fim da supervisão dos derivativos complexos. É possível encontrar na internet um vídeo de Greenspan pautando o congresso americano, dizendo "Eu acredito na boa-fé dos executivos de Wall Street".

Ou seja, o resultado da independência completa foi um Cavalo de Tróia do mercado financeiro pautando o governo americano sobre como deveria conduzir sua política macro-econômica. Esse argumento por si só basta para que se conclua que autonomia é necessária, mas independência não só é dispensável, como nefasta.


Conclusão
Considerando-se o exposto acima, fica claro que um BACEN autônomo e subordinado aos interesses nacionais e projeto de governo seja o ideal. O Brasil não precisa repetir os erros americanos ou europeus simplesmente porque a estabilidade e as rígidas regras de controle impostas por FHC permitiram ao país assistir de camarote ao péssimo resultado da apropriação de governos por Bancos, alavancada justamente por Bancos Centrais 100% independentes.

O BACEN não é a Santa Sé, e está sim subordinado a um objetivo maior e comum, de construção de uma nação. Reitero, temos exemplos suficientes para enxergar os males da excessiva monetização ao custo da não consideração dos interesses nacionais na condução das políticas macro-econômicas.

É absolutamente necessário e estratégico a um Presidente do Brasil compreender isso, especialmente neste momento da história econômica do mundo. Repetir dogmas ultrapassados, e não observar o que o próprio mundo demonstra no dia de hoje é nada mais que demonstração ou de ignorância, ou de subordinação aa interesses que nada tem de republicanos.

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